Rapaz, pense numa mulher bonita! Beleza que vem do encontro da ética com a estética, beleza que é sinônimo de sinceridade e que poderia ser traduzida como vontade. Beleza de quem coloca energia no caminho e na direção do que acredita, mas que também sabe parar para repensar, para abraçar, para dançar e para redesenhar um novo caminho, um novo Brasil, um novo mundo! Foi sua bisavó quem a ensinou a sentir, foi a sua mãe quem a incentivou a soltar o cabelo no mundo e dando continuidade a essa história de mulheres da Chapada Diamantina, lá vai Diane, NoBrasil, conectando pessoas que estão transformando criativamente o país.

(Há uns dois anos atrás, Diane me escreveu. Ela dizia sobre sua vontade de estar junto nesse caminho de autoconhecimento do Brasil e hoje quando olho para ela sentada diante de mim desenhando seus sonhos, penso que já estávamos há muito na mesma direção: adentro. Só faltava o tempo, esse que ela tem como orixá, botar pra tocar uma dança que faria com que nos encontrássemos no mesmo entroncamento de Brasil. Agora é se reconhecer no olhar um do outro, se surpreender com seu trajeto até o ponto de encontro e aprender com suas histórias. Depois do encontro de Brasis só nos resta trocar farinha por rapadura, fazer melaço e se ajudar com a consciência de que continuar… não é mole, não!).  Leia mais...

Brasis: Onde você nasceu e passou a sua infância?


Diane Lima, NoBrasil: Nasci em Mundo Novo, Bahia, e passei minha infância lá até os sete anos de idade quando eu, minha mãe e minha irmã nos mudamos para Salvador.

Brasis: O que você leva contigo desses lugares?

Diane Lima, NoBrasil: Ser MundoNovense. Acho que tomei a poesia do nome da minha cidade antes de tudo como missão de vida. Apesar de amar a vida da cidade, de lá trago comigo todos os dias a criação de uma menina do interior da Bahia que tem como descendência uma tataravó parteira e um tataravô que veio “da África com uma arca e vendia santos”. Criada pelos ensinamentos de uma bisavó que hoje tem 102 anos e foi (é) uma cozinheira requisitada na região conhecida pelo peru, frigideira de bacalhau, joaquim teodoro e que me ensinou a frase que sempre me apego nos momentos difíceis: “é preciso ter coragem para enfrentar as coisas da vida, filhinha.” Que tem uma avó mãe de cinco filhos que foi professora, fazia cocada e licor de jenipapo. Um avô baterista, sapateiro, jogador de futebol que tinha banca na feira e uma mãe, que dada aos estudos, aprendeu desde cedo a trocar romances para ter acesso a leitura e tornou-se uma bancária-comunista-sindicalista que criou duas filhas e estendeu a mão para tantos outros mundonovenses. Levo comigo o gosto pelo cheiro da terra molhada, por um céu estrelado, por uma visita a feira (coisa que sempre fiz desde pequena já que eu acordo muito cedo), de sentar no pasto de manhã e tomar a primeira tirada do leite pra comer com farinha. Trago comigo o espírito do imaginar de uma criança que fazia de uma galha de um pé de umbu a casa da boneca, o cômico de um dia passeando pela estrada da roça fazer xixi em cima do pé de urtiga, que ia para o matinê no clube, viu chula e Bule-Bule todos os anos no parque de exposições (feira agropecuária), que soltou pipa e desde cedo foi empoderada pela mãe que dizia: “se a menina quer cabelo solto, deixa o cabelo da menina no mundo”.

Brasis: O que você acha que não sabemos e deveríamos saber sobre esses lugares?

Diane Lima, NoBrasil: Os valores. Me pego questionando o exacerbar de algumas ideias ditas inovadoras e que pra mim foram ensinadas dentro de casa muito cedo como doar roupas de uma geração para outra, varrer o seu passeio, mandar comida para a casa do vizinho. Quando a casa de vovó Dag passou a ter telefone, ela criou um caderno de anotações de telefonemas e abriu a casa para que as famílias da Rua do Curral pudessem vir falar com seus filhos que estavam distantes. A minha casa sempre foi um Airbnb, economizar água era uma máxima e jogar comida fora, pecado. Ainda que a cidade vá embrutecendo a gente, aprendi a dar boa noite independente da resposta “já que a careta fica na cara do careteiro”, “que cada um tem sua fé” e que “não adianta espernear porque de repente a vida vem e muda tudo de lugar”.

Então, gostaria que as pessoas conhecessem os valores de humanidade, cordialidade, generosidade e gentileza muito presentes nesse lugar em que fui criada. Sou extremamente grata de ter nascido na família em que nasci. Apesar de eu sempre estar em busca de um Mundo Novo, o Mundo Novo nunca sai de mim.

Brasis: Desde quando você mora em São Paulo e por que você escolheu essa residência no país?

Diane Lima, NoBrasil: Acabei de fazer um ano de São Paulo! Escolhi a cidade pois sabia que aqui seria um lugar onde iriam acontecer bons encontros, onde encontraria pessoas que estão pensando na mesma direção e que me inspirariam a fazê-las acontecer.

Brasis: Conte um pouco sobre o seu cotidiano em São Paulo. O que você faz, quais lugares frequenta e como esses lugares te inspiram?

Diane Lima, NoBrasil: Me sinto ainda uma turista na cidade, o que é muito bom pois nunca perco a vontade de descobrir e conhecer lugares novos. Acho que o melhor de São Paulo são as pessoas e aqui aprendi que não importa o lugar, sair de casa sempre vale a pena. Poderia falar muitas coisas e lugares mas o que mais tem me atraído são botecos e portinhas sem placa, além de fazer coisas muito simples como andar domingo desbravando um bloco de ruas cheias de casa, árvores e plantas. Tenho buscado o lugar do não fazer nada, algo que aqui é muito difícil.
(Elas nos Representam é um especial do NoBrasil que discute, homenageia e legitima o papel fundamental das mulheres na economia criativa brasileira.)

Brasis: Pra você, quem está transformando criativamente o país e por que? Conte, pelo menos, a história de uma pessoa ou projeto.

Diane Lima, NoBrasil: Tem muita gente! Às vezes penso que quando falamos “transformar o país através da criatividade”, isso se torna uma proposição quase utópica, mas quando me deparo com histórias como a da Maria Clara Araújo ativista transexual, Denis Almeida da torcida jovem ou Moisés Patrício do A Presença Negra, vejo o quanto essa energia da transformação é mais viva do que a gente imagina. Ao invés de contar uma história que passou, posso contar uma que gostaria de ir fundo? Recentemente tive no show do Tiganá Santana e ele conseguiu me levar para um outro lugar, conseguiu criar um outra espaço-tempo que foi inacreditável. O que ele está fazendo é sem precedentes, porque é estrutural, não há nada igual, é processo. Queria muito entender esse percurso e o processo de criação, tenho certeza que seria uma das histórias mais lindas que passariam pelo NoBrasil. Fica aqui o convite.

Brasis: Conte um pouco sobre seu trabalho: o que você faz e por que?

Diane Lima, NoBrasil: Sou designer. Desenho, projeto e materializo pensamentos no mundo, qualquer que seja ele, uma ideia, uma experiência, um produto ou um serviço. Faço isso porque entendi a profissão na sua potência de pensamento e sou muito feliz e realizada por perceber que com um olhar responsável, posso de fato modificar e in-formar a matéria a minha maneira, moldando o meu redor através das minhas crenças. Acredito que a capacidade de imaginar, criar e projetar está totalmente ligada a minha capacidade de sonhar e de pensar esses novos mundos e encaro isso como um exercício constante em direção a resolver esses anseios que acredito ter a ver com a ideia de liberdade. Como diretora criativa penso em imagem/discurso o que faz com que o trabalho ganhe uma ampliação e uma visão mais holística pois opera não somente no conceitual e criativo mas também no nível estratégico e tático, conectando todas as pontas. É um trabalho de ressignificação, onde é possível criar novas narrativas e mixagens alterando o sentido e o propósito das coisas. Gosto também de ler, pesquisar, escrever e falar. Na verdade, me expressar, trocar conhecimento e acessar as pessoas é algo que me completa: sou daquelas que não dorme, acorda de madrugada com a ideia na cabeça, passa o mês falando e só fica quieta quando ela sair.

Brasis: Conte um trabalho que te marcou: qual foi, o que o inspirou, qual foi seu resultado?

Diane Lima, NoBrasil: Muitos foram importantes, principalmente os que fiz para a Nike ainda antes do NoBrasil acontecer porque me ensinaram muito sobre ser brasileira numa visão global além de me levar a um nível de amadurecimento muito grande já que trabalhava com alguns dos diretores criativos mais fodas do mundo, entre eles Ray Butts, um afro-americano que acreditou em mim e mudou a minha vida. No entanto, acho que o projeto mais especial é o que ainda está por vir e sobre isso olho ansiosa para dar vida ao AfroTranscendence, uma imersão com foco em processo criativo que vai olhar para cultura afro-brasileira em seu trânsito com as culturas negras espalhadas pelo mundo e que é pra já.

Brasis: E NoBrasil: quando surgiu, com qual motivação, quais são os principais aprendizados dos primeiros meses do projeto?

Diane Lima, NoBrasil: Fazemos um ano agora em julho, lançamos o projeto no dia da derrota do 7X1 para Alemanha na Copa do Mundo. Naquele momento tinha algo de simbólico ali que fazia ainda mais sentindo quando decidimos não falar sobre o Brasil, mas vivenciá-lo. Muitas das vocações foram também surgindo pelo caminho como parte do próprio processo do fazer e do ser atravessado por outras pessoas. E o Vá Fundo quer dizer muito isso: se permitir a adentrar a história do outro, conhecê-las e somar nas diferenças…. Sobre aprender? Nesses meses aprendi muito, principalmente o que é fazer tudo o que faço sendo uma mulher-baiana-negra. Aprendi a sorrir com os olhos, fazer mais ao invés de pensar tanto, encarar o erro como aprendizado, o valor do labor e sempre mover para a frente. Do NoBrasil aprendemos fazendo o que nos definiu: que inovar não é o mais importante, que a mudança começa dentro de nós mesmos, que o caminho é o único lugar a se chegar, que devemos ocupar espaços e que somos fruto das histórias que temos pra contar.


Brasis: Como é estar em contato com transformadores criativos no Brasil? Como você se sente?

Diane Lima, NoBrasil: Eu me sinto exatamente como me projetei há três anos atrás: cansada e feliz. É um trabalho que mexe muito com o emocional, porque a gente acaba se envolvendo com as histórias e molhar os olhos é inevitável. Também, te deixa sensível pois quando você coloca muita energia em uma coisa e que elas saem de dentro de você e vão para o mundo, vem o peso da doação, da materialização e da catarse de fato de forma física. Acredito cada vez mais em Tempo e me sinto abençoada por viver esses encontros já que passo por uma coincidências tão absurdas que parece que foi tudo arquitetado para acontecer. Tenho brincado entre os amigos que tudo me toca, estou num nível que as plantas me emocionam – e isso é muito sério.

Brasis: Quais são os seus principais sonhos e desafios do projeto? Quais são os próximos passos do NoBrasil?

Diane Lima, NoBrasil: Começamos com uma plataforma digital, mas o objetivo primeiro sempre foi ir para o mundo e viver o analógico, encontrar as pessoas na vida real e fazer a missão “conectar, inspirar e empoderar pessoas” de forma cada vez mais presente, o que fez com que decidíssemos nos tornar um Instituto sem fins lucrativos. Hoje além de pesquisa, conteúdo e rede estou quase 70% focada em promover, co-criar e apoiar ações no campo sócio-criativo-educativo atendendo interlocuções com a nossa própria comunidade além de outros empreendedores, artistas, empresas e projetos. Estamos num momento de ampliar as discussões que antes eram concentradas no online com o objetivo de chegar a mais pessoas e nos fazer entender sobre três pilares principais do projeto: do olhar sobre a diversidade como tecnologia de empoderamento, da ocupação do processo criativo como espaço de poder e do papel do agente criativo como ser político. Dentro desses pilares outros pontos centrais nos atravessam como a promoção da cultura afro-brasileira, do empoderamento de meninas e mulheres, das relações locais X globais, do pensar a cidade, do acesso a informação, tecnologia e conhecimento, além da construção de novas narrativas a partir de um entendimento desse Brasil contemporâneo.

Brasis: O que você acha que nós não sabemos e deveríamos saber sobre o Brasil? Por que?

Diane Lima, NoBrasil: Simplesmente saber, saber do outro, se abrir, se conhecer, ir Adentro e Fundo. Sempre.

Brasis pergunta, Diane Lima do NoBrasil responde:

Uma palavra:

dengo.

Uma rua:

Rua do Curral em Mundo Novo.

Um pessoa:

vovó Catarina, minha bisa.

Um lugar para encontrar criatividade:

na sua história, na memória do seu corpo.

Um projeto que transforma a nossa cultura:

Adentro, um projeto Brasis + NoBrasil.


(Imagens de divulgação e foto RED Studios: This Lovely Project)


O quê: CULTURAS NEGRAS, CRIATIVIDADE, MULHERES, EDUCAÇÃO, ECONOMIA CRIATIVA 


Onde: Mundo Novo – BA

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